Reviews e Análises
O Silêncio dos Inocentes e a vitória do antagonista
Clarice Starling falhou miseravelmente! Certamente, a agente do FBI é uma das “detetives” mais bem preparadas da extensa lista de heróis de romances policiais e, mesmo assim, não conseguiu estar entre nomes como Auguste Dupin (Assassinatos da Rua Morgue de Edgar Allan Poe), Sherlock Holmes (Um estudo em vermelho de Arthur Conan Doyle) e Miss Marple (Assassinato na Casa do Pastor de Agatha Christie). Em sua defesa, a resposta pode parecer óbvia: como competir quando o antagonista é Hannibal Lecter?
Os olhos do dr. Lecter eram castanhos e refletiam a luz em diminutos pontos vermelhos. Às vezes esses pontos luminosos pareciam voar como centelhas para o centro dos olhos. Seu olhar percorreu Starling de cima a baixo.
Thomas Harris, ao escrever O Silêncio dos Inocentes, optou por não utilizar a estrutura já canonizada do gênero. O leitor não está em desvantagem ao acompanhar cada passo de Clarice rumo a solução do crime, pelo contrário, ele está a sua frente, já sabendo quem é Buffalo Bill, onde ele está e porque rapta, mata e descarna mulheres com manequins acima do tamanho 46. A pergunta altera-se de “quem assassinou todas estas mulheres?” para “quando Clarice vai conseguir por as mãos no assassino que matou todas estas mulheres?”. Colocada nessa posição, nossa heroína já está em desvantagem. Adicione a esta equação que ela é apenas uma cadete, servindo-se de uma mente poderosa que não é a sua, mas sim de alguém que irá confundi-la, chegando, muitas vezes, ao ponto de brincar com a sua psiquê.
Essas considerações talvez expliquem porque não nos conectamos com Clarice. Torcemos por ela, é verdade, mas talvez, de forma inconsciente, saibamos que não é ela a real detetive da história, e sim Hannibal. O que justifica, a cada capítulo, o desejo de que mais e mais parágrafos estejam recheados de suas colocações e embates. A dinâmica entre Starling e Lecter não é muito diferente da que percebemos com o maior detetive dos romances policiais e seu fiel escudeiro: Holmes e Watson. Muitas vezes Clarice e John são ridicularizados por pensarem de forma tão mundana e, outras vezes, têm a função narrativa de nos fazer entender como funciona essas grandes mentes. Pode-se dizer, porém, que Clarice e John diferem-se em dois aspectos: a primeira é uma personagem tridimensional, com questões mais profundas que refletem em suas ações durante a estória e o último não precisa preocupar-se em virar jantar de seu companheiro de investigações.
O dr. Hannibal Lecter estava de pé, aprumado, no fim do corredor, com o rosto a 30 centímetros da parede. Pesadas tiras de lona prendiam-no a um carrinho manual, como se ele fosse um grande relógio. Por baixo das tiras de lona, usava uma camisa-de-força e presilhas nas pernas. Uma máscara de jogador de hóquei sobre seu rosto impedia-o de morder; era tão eficaz como uma mordaça e não tão úmida que impedissem os guardas de a manusearem.
A verdade é que Hannibal Lecter não é só extremamente inteligente, ele exala civilização com sua elegância, cordialidade, cultura e sociabilidade. Ele é o grande paradigma da sociedade ocidental e, ao mesmo tempo, aproxima-se dos monstros encontrados por Ulisses na Odisseia de Homero que, diferente dos “homens que comem pão e bebem vinho”, comem carne humana. Isso nos aproxima e nos repele da personagem, tão bem interpretada por Antony Hopkins em 1992 na adaptação homônima, ganhadora do Oscar e dirigida por Jonathan Demme. Doutor Lecter talvez seja o amalgama entre a civilização e a monstruosidade, uma vez que ele não apenas alimentava-se de seus semelhantes, mas era capaz de servi-los para seus convidados em lindas baixelas de prata, acompanhados de um refinado Cabernet Sauvignon.
A forma da narrativa ajudou a ofuscar Clarice, mas foi a criação de uma personagem requintada ao ponto de se acreditar no topo da cadeia alimentar, que a apagou por completo.
Título Original: O silêncio dos inocentes
Autor: Thomas Harris
Tradução: Antonio Gonçalves Penna
Editora: BestBolso
Ano: 2015
ISBN: 9788577990627
Ficha técnica completa no Skoob
Reviews e Análises
Lispectorante – Crítica

Lispectorante de Renata Pinheiro, diferente de outras produções baseadas na obra de Clarice Lispector – A Hora da Estrela (1985), de Suzana Amaral e A Paixão Segundo G.H. (2023) de Luiz Fernando Carvalho – não tem foco, especialmente, em nenhum texto da autora, mas consegue captar seu universo e soluciona o fluxo de consciência, característica primeira de sua literatura, através de cenas marcadas pelo fantástico.
Durante o longa acompanhamos Glória Hartman – uma artista plástica em crise, recém-divorciada e sem dinheiro – que retorna para sua terra natal, indo visitar sua tia Eva. Ao encontrar um guia de turismo com um grupo acaba interessando-se pelas informações sobre a casa de Clarice Lispector que, a partir daqui será o lugar do onírico e de profundas e solitárias discussões existenciais, preenchido por ruinas de um mundo apocalíptico.
Lispectorante, palavra inventada tradução do intraduzível, Oxe, pra mim listectorante é uma droga ilegal feita numa manhã de um Carnaval que se aproxima. Pra expectorar mágoas, prazeres, visgos e catarros num rio que vira charco
Entre o fazer artístico – sempre mostrado de forma fantástica, surrealista – e a necessidade de sustento, Glória se apaixona por Guitar, um artista de rua mais jovem com quem inicia um romance.
A escolha de Marcélia Cartaxo para viver Glória nos ajuda a encaixá-la no mundo de Clarice: é como se ela sempre tivesse estado ali, vivendo e sentindo todas aquelas subjetividades, mesmo sendo uma personagem de atitudes muito diferentes de Macabéa, que a atriz viveu em A Hora da Estrela. Glória é livre, mas seu momento de vida – uma mulher madura, recém-divorciada, sem dinheiro e em um “lance” com um homem mais jovem – nos remete as inseguranças de Macabéa – jovem, tímida e descobrindo o mundo. Ambas estão em transição!
Lispectorante é poético e tem um desfecho que não surpreende e nisso ele é excelente: não há outro caminho para o sentir do artista que as suas incertezas.
-
Livros em Cartaz3 semanas ago
Livros em Cartaz 074 – Pedro Páramo
-
QueIssoAssim2 semanas ago
QueIssoAssim 325 – Operação Documentário – Um papo com Rodrigo Astiz
-
Notícias3 semanas ago
Nova série do Disney+ sobre Jean Charles com participação de atriz paulistana Carolina Baroni
-
CO22 semanas ago
CO2 358 – O Resgate Duplo e o Contrabando