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Reviews e Análises

Neil Gaiman e seus Deuses Americanos

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As religiões de um modo geral – seja para angariarem mais fiéis ou por realmente acreditarem nisto – apregoam a ideia de que se não acreditamos em algo divino temos menos humanidade ou compaixão. É muito comum, à luz de um crime hediondo, dizermos que seu executor não tem fé. Porém, você já parou para pensar, o que seriam dos deuses sem nós?

– Você precisa entender essa coisa de ser deus. Não é magia. E só ser você, mas aquele você em que as pessoas acreditam. É ser a essência concentrada e aumentada de si mesmo. É se transformar em trovão, ou no poder de um cavalo galopante, ou em sabedoria. Você absorve toda a fé e fica maior, mais legal, mais do que humano. Você cristaliza. Ele fez uma pausa.– Então, um dia esquecem que existe, não acreditam mais em você e não fazem mais sacrifícios… não se importam, e quando você percebe, está misturando cartas pra confundir quem passa na esquina da Broadway com a Rua 43.

A emissora americana Starz, responsável por Outlander e Hannibal, anunciou para o ano de 2017 a adaptação do bestseller Deuses Americanos de Neil Gaiman. Para você que não está ligando o nome à pessoa – se é que isso é possível – Gaiman foi responsável pela reformulação e sucesso de Sandman, pelo selo Vertigo (DC Comics), além de outras obras como Stardust e Coraline (ambas adaptadas para o cinema).
O quarto romance do autor (precedido por Belas Maldições, Lugar Nenhum e Stardust) narra a trajetória de Shadow, um ex-presidiário que prestes a ganhar sua liberdade condicional recebe duas notícias do diretor do presidio: 1) ele sairia uma semana antes da data prevista e; 2) o motivo dessa liberação é porque Laura, a esposa de Shadow, envolveu-se em um acidente de carro e morrera.
Na viagem de volta, nosso herói conhece um enigmático homem que decide empregá-lo: Wednesday. Esse parece saber tudo acerca de Shadow, inclusive sobre a morte de sua esposa e daquele que o empregaria, seu melhor amigo Robbie, também envolvido no acidente.
Enquanto serve de motorista e guarda-costas de Wednesday em uma road trip pelos EUA, Shadow percebe que nada é o que parece e que a tempestade, tantas vezes citada pelo seu empregador, nada tem a ver com o mal tempo, mas sim com uma batalha em que os guerreiros não  são humanos, mas divinos.


Quando as pessoas vieram pros Estados Unidos, elas nos trouxeram Junto. (…) a terra é vasta. Mas o tempo passou e nosso povo nos abandonou, lembrando de nós apenas como criaturas do Velho Continente, como coisas que não tinham vindo com elas pro Novo. Quem acreditava verdadeiramente em nós morreu, ou parou de acreditar, e fomos abandonados, ficamos perdidos, assustados e sem posses, vivendo de migalhas de adoração e de crença que podíamos encontrar. E fomos sobrevivendo da melhor maneira possível. Então foi isso que fizemos, sobrevivemos à margem das coisas, onde ninguém prestava muita atenção em nós. Hoje temos, vamos admitir, pouca influencia. Fazemos das pessoas nossas presas, tiramos delas e sobrevivemos; nós nos despimos e nos prostituímos e bebemos demais. Pegamos gasolina, roubamos, trapaceamos e existimos nas fendas das margens da sociedade. Somos deuses antigos, aqui neste Novo Continente sem deuses.

A pergunta que permeia todo o romance é: o que acontece quando nossas crenças são substituídas? O que ocorre com um Leprachaum quando começamos a adorar um Smurf ou com Apolo quando começamos a adorar Elvis? Somos responsáveis por aquilo em que acreditamos?
A tempestade é armada em torno do antigo e do novo. Odin e Thor lutarão contra entidades como a Mídia e a Auto-estrada. Junto com o protagonista passeamos por entre seres fantásticos e divinos, que parecem ser mais mundanos que nós.

Existem novos deuses crescendo nos Estados Unidos, apoiando-se em laços cada vez maiores de crenças: deuses de cartão de crédito e de auto-estrada, de internet e de telefone, de rádio, de hospital e de televisão, deuses de plástico, de bipe e de néon. Deuses orgulhosos, gordos e tolos, inchados por sua própria novidade e por sua própria importância. Eles sabem da nossa existência e tem medo de nós, e nos odeiam – disse Odin. – Vocês estão se enganando se acreditam que não. Eles vão nos destruir, se puderem. Ë hora de a gente se agrupar. E hora de agir.”

Em Deuses Americanos, Neil Gaiman responde a nossa pergunta: os deuses, uma vez esquecidos, perecem.

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Lispectorante – Crítica

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Lispectorante de Renata Pinheiro, diferente de outras produções baseadas na obra de Clarice Lispector – A Hora da Estrela (1985), de Suzana Amaral e A Paixão Segundo G.H. (2023) de Luiz Fernando Carvalho – não tem foco, especialmente, em nenhum texto da autora, mas consegue captar seu universo e soluciona o fluxo de consciência, característica primeira de sua literatura, através de cenas marcadas pelo fantástico.

Durante o longa acompanhamos Glória Hartman – uma artista plástica em crise, recém-divorciada e sem dinheiro – que retorna para sua terra natal, indo visitar sua tia Eva. Ao encontrar um guia de turismo com um grupo acaba interessando-se pelas informações sobre a casa de Clarice Lispector que, a partir daqui será o lugar do onírico e de profundas e solitárias discussões existenciais, preenchido por ruinas de um mundo apocalíptico.

Lispectorante, palavra inventada tradução do intraduzível, Oxe, pra mim listectorante é uma droga ilegal feita numa manhã de um Carnaval que se aproxima. Pra expectorar mágoas, prazeres, visgos e catarros num rio que vira charco
Entre o fazer artístico – sempre mostrado de forma fantástica, surrealista – e a necessidade de sustento, Glória se apaixona por Guitar, um artista de rua mais jovem com quem inicia um romance.

A escolha de Marcélia Cartaxo para viver Glória nos ajuda a encaixá-la no mundo de Clarice: é como se ela sempre tivesse estado ali, vivendo e sentindo todas aquelas subjetividades, mesmo sendo uma personagem de atitudes muito diferentes de Macabéa, que a atriz viveu em A Hora da Estrela. Glória é livre, mas seu momento de vida – uma mulher madura, recém-divorciada, sem dinheiro e em um “lance” com um homem mais jovem – nos remete as inseguranças de Macabéa – jovem, tímida e descobrindo o mundo. Ambas estão em transição!

Lispectorante é poético e tem um desfecho que não surpreende e nisso ele é excelente: não há outro caminho para o sentir do artista que as suas incertezas.

Avaliação: 3 de 5.
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Burburinho

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