Reviews e Análises
De Bram Stoker a Guillermo Del Toro: todos devem a Horace Walpole!
Possivelmente até os fãs mais ardorosos de Guillermo Del Toro tenham se decepcionado com o filme A Colina Escarlate (Crimson Peak) de 2015. Após duras críticas, o próprio diretor escreveu em sua conta do Twitter (@RealGDT) “One last time release. Crimson Peak: not a horror film. A Gothic Romance. Creepy, tense, but full of emotion… Like my dancing!” Desculpe Del Toro, mas sua justificativa, talvez, seja insuficiente…
Velas que se apagam sem motivo aparente; correntes de ar que mais parecem um sopro demoníaco; portas que se fecham sem que ninguém esteja do outro lado; quadros fantasmagóricos que parecem respirar… Se você já assistiu algum filme bom – ou ruim – de terror e suspense já deve ter presenciado pelo menos um desses clichês e, como sabemos, tudo que se torna clichê um dia foi novidade e essas remontam os idos 1764 quando Sir Horace Walpole publica o romance O Castelo de Otranto, a obra seminal do Romance Gótico.
(…) podia observar, que estava próxima da entrada da caverna subterrânea, aproximou-se da porta que fora aberta, porém, uma súbita rajada de vento, alcançando-a na entrada, apagou a tocha e a deixou na mais completa escuridão.
A narrativa inicia-se na urgência do Príncipe Manfredo em casar seu único – e enfermo – filho Conrado com a princesa Isabela. O que ninguém poderia imaginar é que um elmo gigantesco caísse sobre a cabeça do rapaz quando esse estava seguindo em direção a capela. Vendo a impossibilidade da continuação de sua linhagem, Manfredo, que tinha com a rainha Hipólita apenas mais uma filha, Matilda, coloca-se no lugar que era do filho, repudiando a esposa e tentando tomar Isabela a força. A princesa foge com ajuda de Teodoro, um camponês que foi preso em um calabouço por Manfredo, por esse achar que o garoto poderia ter atentado contra a vida de seu filho através de bruxaria. A partir daí somos apresentados a fantasmas, paixões, aparições, usurpação, tirania e erotismo, numa sucessão de episódios rocambolescos, que nos colocam dentro do labirinto do lúgubre castelo.
Simulando que a história fosse uma tradução de um manuscrito medieval italiano, Walpole tenta mesclar, como mesmo disse na segunda edição da obra, “duas formas de romances, a antiga e a moderna”. Assim, todos os artifícios desta história simplória – principalmente aos olhos de nossa compreensão contemporânea – são, ainda hoje, utilizados para nos causar medo e terror.
O espectro marchou pesada e solenemente até o fundo da galeria e entrou num aposento na ala direita. Manfredo acompanhava-o a pouca distância, cheio de ansiedade e horror, mas resoluto. Mal o espectro transpôs a porta, esta foi fechada violentamente por uma mão invisível(…)
A semente plantada por Walpole floresceu nos corações de muitos autores como Ann Radcliffe, Mary Shelley, Jane Austen, Bram Stoker, Robert Louis Stevenson, Oscar Wilde, Edgar Allan Poe, Prosper Mérimée, Gustavo Adolfo Bécquer, E.T.A. Hoffmann, H.P. Lovecraft e Stephen King. Como o cinema e a literatura desde sempre se misturam, é claro que o gênero também seria um sucesso na visão de diretores que vão desde F. W. Murnau (Nosferatu) a David Robert Mitchell (Corrente do Mal), passando por John Carpenter e Alfred Hitchcock.
Quanto a afirmação de Del Toro, não discordo que ele tenha se utilizado de todos os tropos de um Romance Gótico: a donzela em perigo, a luxúria trazida pelo sedutor cruel, a casa em assombrada em ruínas, a violência explícita, as paixões arrebatadoras, todos utilizados como metalinguagem do próprio gênero. Não concordo, porém, com o que muitos críticos afirmaram que o fracasso tenha sido por conta dos “clichês ultrapassados”. Como explicar, então, uma das obras góticas mais lembradas do cinema: Drácula, de Bram Stoker. Neste caso, Francis Ford Coppola não tinha nada que o abonasse: nem a história era original, no entanto…
Título Original: O Castelo de Otranto
Autor: Horace Walpole
Tradução: Alberto Alexandre Martins
Editora: Nova Alexandria
Ano: 1994
ISBN: 8574922416
Ficha técnica completa no Skoob
Reviews e Análises
Ainda Estou Aqui – Crítica
Existem alguns filmes que ao assistirmos apenas os primeiros dez minutos já temos a percepção de estarmos diante de um clássico ou de uma obra-prima. É o caso de O Poderoso Chefão, por exemplo. Ou de Cidade de Deus, para trazer mais perto da nossa realidade brasileira. Não é o caso de Ainda Estou Aqui, novo filme de Walter Salles que chega aos cinemas dia 7 de novembro.
Não. Ainda Estou Aqui demora um pouco mais para percebermos que estamos diante de um dos melhores filmes brasileiros já feitos. E isso é fácil de entender, simplesmente porque a história é contada no tempo dela, sem pressa de acontecer. Mas quando você chegar na cena em que a personagem principal se vê presa, você não vai esquecer desse filme nunca mais na sua vida.
Baseado no livro de mesmo nome de Marcelo Rubens Paiva, o filme conta a história da família de Marcelo, que em 1970 passou pela traumatizante experiência de ter o pai, o ex-deputado e engenheiro Rubens Paiva, simplesmente levado arbitrariamente pela Ditadura Militar e nunca mais retornar.
Ainda Estou Aqui começa te estabelecendo como um observador da família. E como ele leva tempo para te mostrar todo o cotidiano e te apresenta os personagens aos poucos, o espectador vai se tornando parte daquele núcleo familiar. Quando as coisas vão ficando sinistras, você já está envolvido e consegue sentir a mesma angústia e desespero que a família sentiu.
Fernanda Torres está simplesmente deslumbrante como Eunice Paiva. Forte, aguerrida, destemida, o que essa mulher aguentou não foi brincadeira. E Fernanda transmite isso como nenhuma outra atriz seria capaz. Selton Mello interpreta Rubens Paiva com muita simpatia e tenacidade. Simples sem ser simplório. Você literalmente quer ser amigo dele.
O elenco da família, crianças e adolescentes também está simplesmente perfeito. Todos impecáveis, assim como todo o elenco de apoio. Destaque também para a ponta da diva Fernanda Montenegro, como a Eunice idosa que, em no máximo cinco minutos de tela e sem dizer uma palavra, mostra porque é a maior atriz de todos os tempos.
Com um roteiro muito bem escrito e uma direção impecável, aliados a uma fotografia perfeita, é impossível apontar qualquer defeito neste filme. Com uma temática ainda necessária nos dias de hoje, é um dever cívico assistir a Ainda Estou Aqui, o melhor filme de 2024, sem sombra de dúvida.
Nota 5 de 5
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