Reviews e Análises
Bela Vingança – Crítica
Dirigido e escrito por Emerald Fennell, Bela Vingança (Promising Young Woman) segue a vida de Cassie (Carey Mulligan), uma ex-estudante de medicina que hoje trabalha em um café. Uma mulher inteligente, bela e vingativa; leva uma vida dupla até reencontrar com um antigo colega da faculdade.
A estória do filme é cativante e segura o público logo no início e vai revelando a trama e as personagens de forma sutil, inteligente e até cômica. O título em inglês é uma afronta ao termo “promising young men” – jovens adultos promissores – muito usado para identificar homens universitários acusados de estupro nos EUA. E é sobre esse tema que o filme circula.
Carey Mulligan carrega o filme nas costas muito bem com uma atuação que vai até a sutileza na mudança de postura ou feição. O elenco conta também com Laverne Cox e Bo Burnham como Gail, a melhor amiga, e Ryan a nova paixão de Cassie. Temos ainda presenças ilustres como Adam Brody, Clancy Brown, Jennifer Coolidge e Alison Brie.
Um suspense de vingança que, em alguns momentos pode ser confundido com uma comédia romântica e que toca na ferida de uma forma precisa. Um ponto onde o filme se ressalta, em minha humilde opinião, é no uso de músicas pop rearranjadas para que soem sinistras. Não é a toa que foi indicado ao Oscar nas categorias de melhor filme, direção, atriz, roteiro e montagem.
Notícias
A Hora da Estrela – Crítica
Quando se é aficionado por livros é comum alguma mania: ler a última página, tentar não “quebrar” a lombada de calhamaços enquanto se lê ou usar qualquer coisa que estiver a mão como marcador de páginas. Eu coleciono primeiros parágrafos: escrevo em pequenos cadernos que guardo na estante junto com os volumes que lhes deram origem. Claro que existem os favoritos como o de Orgulho e Preconceito (“É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, possuidor de uma boa fortuna, deve estar necessitado de uma esposa.”) e Anna Karenina (“Todas as famílias felizes são iguais, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira.”), mas nenhum fala tanto ao meu coração quanto o de “A Hora da Estrela”:
Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.
Agora, se você nunca leu “A Hora da Estrela”, pode dar uma chance a obra da autora ucrano-brasileira Clarice Lispector assistindo a adaptação realizada em 1985 pela cineasta Suzana Amaral, que voltou aos cinemas no último 16 de maio em cópias restauradas digitalmente em 4K.
O longa conta a história da datilógrafa Macabéa (vivida magistralmente por Marcélia Cartaxo, ganhadora do Urso de Prata de melhor atuação em Berlim) uma migrante vai do Nordeste para São Paulo tentar a vida. Órfã, a personagem parece pedir perdão o tempo todo por estar viva, quase se desculpando por ter sobrevivido a sina dos pais. Macabéa é invisível, invisibilizada e desencaixada do mundo.
A interação com as outras personagens acentua o caráter de estranheza que Macabéa sente de sua realidade (“O que você acha dessa Macabéa, hein?” “Eu acho ela meio esquisita”) onde a proximidade física reservada a ela é oferecida apenas pelas viagens de metrô aos domingos.
As coisas parecem mudar quando ao mentir ao chefe – copiando sua colega de trabalho Glória – dizendo que no dia seguinte irá tirar um dente para, na verdade, tirar um dia de folga. Passeia pela cidade e encontra Olímpico (José Dumont) a quem passa a ver com frequência. Infelizmente, mesmo ele, não entende a inocência e esse desencaixe de Macabéa, deixando-a.
“A Hora da Estrela” de Suzana Amaral traz a estética da fome tão cara ao Cinema Novo de Glauber Rocha não apenas na falta, ressaltada em oposição as personagens que orbitam a curta vida de Macabéa, mas no desalento, no desamparo e, principalmente, no abandono que, quando negado em certa altura pela mentira esperançosa da cartomante charlatã (vivida por Fernanda Montenegro), culmina na estúpida tragédia que ocorre com a protagonista.
Se no começo de tudo, como disse Clarice, sempre houve o nunca e o sim, para Macabéa e os seus “sim senhor” o universo reservou apenas o grande não que Suzana Amaral captou como ninguém.
Nota 5 de 5
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