Reviews e Análises
O Convento – Crítica
Eu juro que tento entender qual é a obsessão de Hollywood de fazer as freiras como figuras aterradoras. As irmãs na vida real são as pessoas mais pacíficas e humildes que se pode conhecer, mas nos filmes, toda vez que surge uma, parece que estamos encontrando o próprio capeta.
O Convento (Consecration – 2023) não foge à essa regra. E, como em diversos filmes recentes de terror, esse é mais um daqueles que falha miseravelmente em aterrorizar ou assustar. O diretor Christopher Smith se especializou em fazer esses filmes de susto de baixo orçamento que não dão medo. Parabéns pra ele.
Aqui, a história ainda tenta trazer algo original. Grace (Jena Malone) é uma oftalmologista que é chamada às pressas para um convento na Escócia, onde encontraram o corpo de seu irmão, um padre, morto. Depois de conversar com o investigador da polícia e descobrir que a suspeita é de que seu irmão tenha assassinado outro sacerdote e depois se suicidado, Grace resolve investigar por conta própria o caso.
E aí entra enredo sobrenatural, o da relíquia celestial/macabra que não se decide o que é, o da viagem no tempo, o dos espíritos malignos, mais assassinatos acontecem, surgem padres sinistros e freiras esquisitonas. É uma farofa tão grande de temas que vão se acumulando que você só consegue torcer para que aquilo termine logo. Infelizmente, como filme de terror, “O Convento” é fraquíssimo e dispensável. Fuja como o diabo foge da cruz.
Notícias
A Hora da Estrela – Crítica
Quando se é aficionado por livros é comum alguma mania: ler a última página, tentar não “quebrar” a lombada de calhamaços enquanto se lê ou usar qualquer coisa que estiver a mão como marcador de páginas. Eu coleciono primeiros parágrafos: escrevo em pequenos cadernos que guardo na estante junto com os volumes que lhes deram origem. Claro que existem os favoritos como o de Orgulho e Preconceito (“É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, possuidor de uma boa fortuna, deve estar necessitado de uma esposa.”) e Anna Karenina (“Todas as famílias felizes são iguais, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira.”), mas nenhum fala tanto ao meu coração quanto o de “A Hora da Estrela”:
Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.
Agora, se você nunca leu “A Hora da Estrela”, pode dar uma chance a obra da autora ucrano-brasileira Clarice Lispector assistindo a adaptação realizada em 1985 pela cineasta Suzana Amaral, que voltou aos cinemas no último 16 de maio em cópias restauradas digitalmente em 4K.
O longa conta a história da datilógrafa Macabéa (vivida magistralmente por Marcélia Cartaxo, ganhadora do Urso de Prata de melhor atuação em Berlim) uma migrante vai do Nordeste para São Paulo tentar a vida. Órfã, a personagem parece pedir perdão o tempo todo por estar viva, quase se desculpando por ter sobrevivido a sina dos pais. Macabéa é invisível, invisibilizada e desencaixada do mundo.
A interação com as outras personagens acentua o caráter de estranheza que Macabéa sente de sua realidade (“O que você acha dessa Macabéa, hein?” “Eu acho ela meio esquisita”) onde a proximidade física reservada a ela é oferecida apenas pelas viagens de metrô aos domingos.
As coisas parecem mudar quando ao mentir ao chefe – copiando sua colega de trabalho Glória – dizendo que no dia seguinte irá tirar um dente para, na verdade, tirar um dia de folga. Passeia pela cidade e encontra Olímpico (José Dumont) a quem passa a ver com frequência. Infelizmente, mesmo ele, não entende a inocência e esse desencaixe de Macabéa, deixando-a.
“A Hora da Estrela” de Suzana Amaral traz a estética da fome tão cara ao Cinema Novo de Glauber Rocha não apenas na falta, ressaltada em oposição as personagens que orbitam a curta vida de Macabéa, mas no desalento, no desamparo e, principalmente, no abandono que, quando negado em certa altura pela mentira esperançosa da cartomante charlatã (vivida por Fernanda Montenegro), culmina na estúpida tragédia que ocorre com a protagonista.
Se no começo de tudo, como disse Clarice, sempre houve o nunca e o sim, para Macabéa e os seus “sim senhor” o universo reservou apenas o grande não que Suzana Amaral captou como ninguém.
Nota 5 de 5
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