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Reviews e Análises

Pedágio – Crítica

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Pedágio

Pedágio, novo filme escrito e dirigido por Carolina Marcowicz, é sobre o Brasil de 2023, indubitavelmente. O Brasil com seu conservadorismo hipócrita, seu racismo estrutural, sua religiosidade deturpada, sua economia destruída, seus valores nebulosos e com seu preconceito explícito. Então, infelizmente, é sobre o Brasil que toda a sociedade ajudou a construir até aqui.

Suellen (Maeve Jinkings) é uma jovem mãe solteira. Ela trabalha em um pedágio perto de Cubatão. Seu filho Tiquinho (Kauan Alvarenga) é um rapaz prestes a completar seus 18 anos e que está usando as redes sociais para fazer danças e dublagens musicais. Vídeos carregados de sensualidade e mostrando claramente toda a sua homossexualidade.

Sua mãe, incomodada com os comentários dos colegas de trabalho e preocupada com o que pode acontecer a Tiquinho, resolve seguir os conselhos de uma amiga: pagar um caro curso de cura gay que a igreja vai oferecer, mas ministrado por um pastor estrangeiro. Então sem condições financeiras para bancar a tal cura, aponta carros que passam no pedágio para o namorado Arauto (Thomás Aquino) que realiza assaltos, levando jóias e objetos de valor.

Com uma fotografia desesperançosa, em uma Cubatão perceptivelmente abandonada e, em alguns momentos, até mesmo pós-apocalíptica, o filme traz um duro retrato do nosso país. Então é um país de falta de oportunidades, onde o desespero, o medo e a desinformação acabam fazendo com que cada um tome decisões erradas, na incerteza de um futuro melhor.

O trabalho de Carolina Marcowicz tanto na direção quando no texto é brilhante. Um trabalho triste e realista, que vem pra mexer na ferida de quem vive o mundo lá fora e não está preso em sua bolha de internet, reclamando disso ou daquilo, sem ter que experimentar diária e obrigatoriamente, o amargo adocicado artificialmente da vida e do café da lanchonete da beira de estrada.

Maeve Jinkings está maravilhosa como uma mãe que tenta dar uma vida digna para seu filho, que preza pela honestidade mas se corrompe na vã tentativa de salvar a prole do que não precisa ser salvo. Uma mãe que escuta os conselhos de uma amiga hipócrita, mas que também se compadece da situação dos outros, sem julgamentos. Uma mãe que vai ao inferno, com o desejo de um dia atingir o paraíso.

Já a performance de Kauan Alvarenga me incomodou um pouco. Não sei se foi intencional, mas senti falta de mais demonstrações emocionais em momentos importantes da trama. Não é que não tenha, é que em alguns momentos isso aparece e em outros não. Mas, de qualquer forma, é um rapaz jovem que ainda vai evoluir muito em sua arte.

Pedágio

De resto, então, Pedágio parece um documentário, tamanho o retrato de sua realidade. Os figurantes, os papeis coadjuvantes, todos parecem pessoas reais em situações reais. Uma pérola do cinema brasileiro que merece encontrar o seu público. Mas é uma pena que no Brasil de hoje, para muitos, vai parecer somente como mais um filme doutrinador ou anti alguma coisa. Vão chamar de panfleto, de comunista ou qualquer outro rótulo da vez. Mas isso só vem para provar o argumento do filme. Aquele que mostra um Brasil sem futuro e sem esperança. Mas aquele Brasil que todos nós, sem excessão, destruímos um pouco a cada dia.

Nota 4,5 de 5

Avaliação: 4.5 de 5.
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A Hora da Estrela – Crítica

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Quando se é aficionado por livros é comum alguma mania: ler a última página, tentar não “quebrar” a lombada de calhamaços enquanto se lê ou usar qualquer coisa que estiver a mão como marcador de páginas. Eu coleciono primeiros parágrafos: escrevo em pequenos cadernos que guardo na estante junto com os volumes que lhes deram origem. Claro que existem os favoritos como o de Orgulho e Preconceito (“É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, possuidor de uma boa fortuna, deve estar necessitado de uma esposa.”) e Anna Karenina (“Todas as famílias felizes são iguais, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira.”), mas nenhum fala tanto ao meu coração quanto o de “A Hora da Estrela”:

Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.

Agora, se você nunca leu “A Hora da Estrela”, pode dar uma chance a obra da autora ucrano-brasileira Clarice Lispector assistindo a adaptação realizada em 1985 pela cineasta Suzana Amaral, que voltou aos cinemas no último 16 de maio em cópias restauradas digitalmente em 4K.

O longa conta a história da datilógrafa Macabéa (vivida magistralmente por Marcélia Cartaxo, ganhadora do Urso de Prata de melhor atuação em Berlim) uma migrante vai do Nordeste para São Paulo tentar a vida. Órfã, a personagem parece pedir perdão o tempo todo por estar viva, quase se desculpando por ter sobrevivido a sina dos pais. Macabéa é invisível, invisibilizada e desencaixada do mundo.

A interação com as outras personagens acentua o caráter de estranheza que Macabéa sente de sua realidade (“O que você acha dessa Macabéa, hein?” “Eu acho ela meio esquisita”) onde a proximidade física reservada a ela é oferecida apenas pelas viagens de metrô aos domingos.

As coisas parecem mudar quando ao mentir ao chefe – copiando sua colega de trabalho Glória – dizendo que no dia seguinte irá tirar um dente para, na verdade, tirar um dia de folga. Passeia pela cidade e encontra Olímpico (José Dumont) a quem passa a ver com frequência. Infelizmente, mesmo ele, não entende a inocência e esse desencaixe de Macabéa, deixando-a.

“A Hora da Estrela” de Suzana Amaral traz a estética da fome tão cara ao Cinema Novo de Glauber Rocha não apenas na falta, ressaltada em oposição as personagens que orbitam a curta vida de Macabéa, mas no desalento, no desamparo e, principalmente, no abandono que, quando negado em certa altura pela mentira esperançosa da cartomante charlatã (vivida por Fernanda Montenegro), culmina na estúpida tragédia que ocorre com a protagonista.

Se no começo de tudo, como disse Clarice, sempre houve o nunca e o sim, para Macabéa e os seus “sim senhor” o universo reservou apenas o grande não que Suzana Amaral captou como ninguém.

Nota 5 de 5

Avaliação: 5 de 5.
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Burburinho

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