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O Mecanismo – por Bruno Laganà

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O Mecanismo é a nova série brasileira do Netflix. Produzida pelo cineasta José Padilha (Tropa de Elite), tem como foco principal o trabalho de investigadores da Polícia Federal no caso Lava-Jato que vêm chacoalhando as estruturas do mundo político desde 2014. A série conta com atores já conhecidos do público brasileiro, diferindo de 3%, outra série brasileira do Netflix que tinha muitos atores desconhecidos em papéis importantes. Essa familiaridade com o elenco, além de momentos da história em que o foco se volta para o desenvolvimento pessoal de alguns personagens, faz com que muitas vezes “O Mecanismo” lembre muito as produções globais.

Selton Mello faz Marco Ruffo, um obcecado investigador que busca, com a ajuda de sua pupila Verena, interpretada por Caroline Abras, colocar atrás das grades para sempre o doleiro Roberto Ibrahim, papel que coube ao ator Enrique Diaz. O roteiro é assinado por Elena Soarez (que co-assina a criação da série com Padilha) e é baseado na obra “Lava-Jato: O Juiz Sérgio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil”, de Vladimir Netto.

A série de oito episódios se baseia nos fatos reais para contar a sua própria história e deixa claro, no começo de cada episódio, que fatos foram alterados para propósitos dramáticos. E aí que nasce a polêmica. O que são considerados fatos reais hoje em dia? Neste mundo polarizado em que vivemos, a realidade tem sido distorcida para favorecer cada um dos lados da história. Credibilidade jornalística é colocada de lado por conta de interesses políticos e o bem geral do acesso à informação é jogado aos porcos. Quem é atacado reclama de armação, falseio da verdade e golpe. O lado que quer ver o outro prejudicado, incendeia o caldeirão, querendo mostrar que só o outro lado é que é culpado, quando na verdade está mais sujo do que pau de galinheiro. 

Aí, em uma série que afirma alterar os fatos para privilegiar a dramaticidade da coisa, a cabeça dos telespectadores pode ficar confusa. O Mecanismo foi acusado pelos defensores da esquerda de ser obviamente golpista, de fazer os personagens envolvidos nos esquemas escusos como os vilões da história e até mesmo de mudar frases da vida real que eram atribuídas a uma determinada personalidade e colocá-la na boca de outro personagem, em uma tentativa de “falsear a história”. Mas não é isso que está escrito no começo de cada episódio?

Ao trocar os nomes dos agentes políticos envolvidos na história real, a série mostra que é uma paródia. Ao caricaturar personalidades políticas, mostra que tudo não passa de uma grande piada e ridiculariza esses agentes, da mesma forma que eles parecem fazer com a cara do povo brasileiro. Se o espectador não consegue entender isso, é melhor nem se dar ao trabalho de assistir. É o grande ponto positivo. Nunca mais vou chamar a presidenta pelo nome real. Agora é Janete pra sempre. E o Lula Brastemp está genial.

Nessa disputa de lado azul contra lado vermelho, perde-se o real propósito de analisar a série pelo que ela é: uma obra de entretenimento. E como obra de entretenimento, ela peca em diversos momentos. Na tentativa de apelar para o lado dramático, ela exagera. Ao dizer que o protagonista, com salário de delegado da PF só teria conseguido, em vinte anos de trabalho, comprar um carro usado e um sítio no interior, a série forçadamente quer que criemos empatia com o personagem.

Outro ponto em que a série peca é na parte técnica de som. Os personagens conversam sussurrando e algo ali não foi bem mixado. Me vi assistindo a série com legendas para poder entender o que estava sendo falado. O discurso em off, tanto de Ruffo quanto de Verena, para ajudar a contar a história lembra muito Tropa de Elite e pode cansar um pouco o espectador, já que seria mais interessante ver o que está sendo falado.

Para o espectador comum, que não está ligado a um partido ou a qualquer um dos lados, a série agrada bem, já que claramente direita e esquerda são atacados. Desde o começo, a série mostra que a corrupção é endêmica e todos os presidentes que já passaram pelo cargo se envolveram e chafurdaram nela. Pois fazem parte de um mecanismo. O golpe é mostrado como um momento oportunista tanto de um vice-presidente deixado de escanteio quanto de uma oposição suja que tinha a intenção de parar as investigações da Lava-Jato assim que assumisse o poder. Os próprios personagens da PF não são tratados como heróis. Eles possuem defeitos humanos, o que os aproximam da realidade. No geral, o roteiro é bem amarrado, apesar de dramas pontuais e clichês (o marido que só pensa em trabalho, a namorada traída, a doença repentina, o traidor).

Philip K. Dick, famoso escritor de ficção-científica, disse que “realidade é aquilo que, quando você para de acreditar, continua existindo”. Infelizmente, hoje no Brasil, realidade é aquilo que EU acredito que aconteceu. Não a história real. E aí, para alguns, é melhor viver na ficção. É mais fácil chamar de golpista e cancelar a assinatura da Netflix. Dá menos trabalho do que mudar de opinião. Vamos ver agora quantos vão cancelar o feed do QueIssoAssim ou a inscrição no RefilTV…

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Ainda Estou Aqui – Crítica

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ainda estou aqui

Existem alguns filmes que ao assistirmos apenas os primeiros dez minutos já temos a percepção de estarmos diante de um clássico ou de uma obra-prima. É o caso de O Poderoso Chefão, por exemplo. Ou de Cidade de Deus, para trazer mais perto da nossa realidade brasileira. Não é o caso de Ainda Estou Aqui, novo filme de Walter Salles que chega aos cinemas dia 7 de novembro.

Não. Ainda Estou Aqui demora um pouco mais para percebermos que estamos diante de um dos melhores filmes brasileiros já feitos. E isso é fácil de entender, simplesmente porque a história é contada no tempo dela, sem pressa de acontecer. Mas quando você chegar na cena em que a personagem principal se vê presa, você não vai esquecer desse filme nunca mais na sua vida.

Baseado no livro de mesmo nome de Marcelo Rubens Paiva, o filme conta a história da família de Marcelo, que em 1970 passou pela traumatizante experiência de ter o pai, o ex-deputado e engenheiro Rubens Paiva, simplesmente levado arbitrariamente pela Ditadura Militar e nunca mais retornar.

Ainda Estou Aqui começa te estabelecendo como um observador da família. E como ele leva tempo para te mostrar todo o cotidiano e te apresenta os personagens aos poucos, o espectador vai se tornando parte daquele núcleo familiar. Quando as coisas vão ficando sinistras, você já está envolvido e consegue sentir a mesma angústia e desespero que a família sentiu.

Fernanda Torres está simplesmente deslumbrante como Eunice Paiva. Forte, aguerrida, destemida, o que essa mulher aguentou não foi brincadeira. E Fernanda transmite isso como nenhuma outra atriz seria capaz. Selton Mello interpreta Rubens Paiva com muita simpatia e tenacidade. Simples sem ser simplório. Você literalmente quer ser amigo dele.

O elenco da família, crianças e adolescentes também está simplesmente perfeito. Todos impecáveis, assim como todo o elenco de apoio. Destaque também para a ponta da diva Fernanda Montenegro, como a Eunice idosa que, em no máximo cinco minutos de tela e sem dizer uma palavra, mostra porque é a maior atriz de todos os tempos.

Com um roteiro muito bem escrito e uma direção impecável, aliados a uma fotografia perfeita, é impossível apontar qualquer defeito neste filme. Com uma temática ainda necessária nos dias de hoje, é um dever cívico assistir a Ainda Estou Aqui, o melhor filme de 2024, sem sombra de dúvida.

Nota 5 de 5

Avaliação: 5 de 5.
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