Reviews e Análises
Categoria melhor roteiro adaptado ou quando leitores viram haters
Como não odiar Joe Wright por colocar Keira Knightley no papel de Anna Karenina? Como suportar Robert Downey Jr. fazendo cosplay de Tony Stark no século XIX em Sherlock Holmes de Guy Ritchie? Como acreditar no maldito interesse amoroso de Tauriel – uma elfa que nem existe na obra original – por Kili em O Hobbit? PELAMORDEDEUS Peter Jackson, uma elfa e um anão?!
Toda adaptação é como uma tradução. Os idiomas são as diferentes mídias. Ao odiar sua obra favorita adaptada possivelmente você não está levando em consideração o que os tradutores chamam de “lost in translation”. E aí, reclamamos, e como reclamamos! Reclamamos, por exemplo, de:
Ator da Broadway fazendo Wolverine? Quem é esse Hugh Jackman?
Não li muita coisa da Marvel, confesso. Os títulos que realmente acompanhei foram Homem Aranha e X-Men, além do título solo de Wolverine. Quando anunciaram o alto-galã-australiano Hugh Jackman como o carcaju, quase tive um AVC. Acho que quebrei a cara! Por mais que digam que Blade fez com que os estúdios achassem viável a adaptação de quadrinhos para as telonas, acredito que foi a receptividade de X-Men: o filme pelo grande público que transformou-as em um filão. Como pensar em atores para viver histórias conhecidas, pelo menos para parte da audiência?
Para diretores autorais como Tim Burton, por exemplo, os protagonistas serão feitos pelos seus “queridinhos”, como aconteceu com Batman de 1989, em que o grande parceiro do diretor – Michael Keaton – viveu o morcegão. Possivelmente se fosse em uma produção mais recente, seria Johnny Depp ~Deus me livre!~
É claro que não só os diretores têm voz, os produtores também, e quando eles falam pensam em cifrões. E o que traz números pornográficos para as bilheterias? As superestrelas! Se não isso, como explicar Keanu Reeves em Constantine ou Angelina Jolie em Lara Croft: Tomb Rider?
Outra coisa que também acontece muito é a alteração da faixa etária das personagens. A adaptação do livro O Clube de Leitura de Jane Austen, de Karen Joy Fowler diminui em dez anos as idades de todas as personagens. Por exemplo Alegra, a mais jovem do grupo e filha de Sylvia, no filme tem 20 anos, mas no livro 30. Tudo é uma questão de identificação e público-alvo.
De todos os motivos, porém, o que mais incomoda é o comumente chamado whitewash, ou seja, transformar uma personagem de uma etnia qualquer e transformá-la em caucasiana. Alguns exemplos são: Christian Bale como Moisés, Russell Crowe como Noé, Justin Chatwin como Goku e Jennifer Lawrence como Katniss.
A história de Don Corleone é contada apenas no segundo filme da trilogia
Dependendo do foco narrativo escolhido pelo diretor, alguns trechos da obra serão minuciosamente desenvolvidos e transformados em cenas, outros apenas serão citados e outros tantos nem aparecerão na trama. Por exemplo, em O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola, somos apresentados ao chefe da família Corleone, Don Vito e, principalmente, até onde estende-se o seu poder. A escolha dos roteiristas – o próprio Coppola e o autor do livro, Mário Puzo – foi mostrar não como Don Corleone chegou ao comando de uma das grandes famílias da máfia de New York – mesmo isso sendo contado em detalhes no romance -, mas a trajetória de Michael Corleone, seu filho, que inicia a estória como herói de guerra e termina como o Poderoso Chefão do título.
Cadê o Tom Bombadil?
Muitas vezes personagens são simplesmente cortados ou amalgamados a outros. O Tom Bombadil, por exemplo. Para alguns fãs de O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien, essa é a parte do livro mais infantilizada. Muitos até confessam pular as partes em que a personagem aparece. Parece que o diretor do longa, Peter Jackson, é um desses fãs: simplesmente limou a participação da personagem.
Também não é rara a união de ações de dois personagens em uma. Em Batman Begins, de Christopher Nolan, Henri Ducard treina Bruce Wayne nas artes do ninjitsu. Mais tarde Wayne descobre que, na verdade, Ducard é o terrorista Ra’s Al Ghul. Nos quadrinhos Ra’s Al Ghul não tem nenhuma ligação com Henri Ducard.
Personagens em um filme significa número atores; mais atores em um filme significa gastar mais dinheiro.
Certo, então por que acrescentar uma personagem? Por que criar Tauriel para O Hobbit? Pelo mesmo motivo que colocaram Tom Sawyer no péssimo A Liga Extraordinária: um filme classificado como “para toda a família” precisa de personagens com as quais os espectadores identifiquem-se. Em O Hobbit de Tolkien não havia nenhuma personagem do sexo feminino e em A Liga Extraordinária nenhuma personagem de origem americana (todos os “heróis” eram ingleses).
Como assim já chegaram em Bri?
Um filme, com corte para cinema – esqueça a famigerada “versão do diretor” – chega a ter, no máximo, 3 horas, isto é, 180 minutos. Nesse tempo, o diretor terá que fazer com que sua história seja contada e tenha coerência narrativa. Por isso, por exemplo, não dá tempo de mostrar como Don Corleone conseguiu se tornar o chefe da família – história que ficou para o segundo longa da trilogia – nem de esperar Frodo completar 50 anos – sim, ele espera 17 após ter recebido o Um anel de Bilbo – para cumprir sua jornada.
Lestat não aparece no final do livro no carro de Daniel Malloy
O Final. Creio que de todas as reclamações aqui indicadas, possivelmente, essa seja a mais incômoda. Um final ruim em um filme original já nos põe em prantos, agora imagine na adaptação de nossa estória favorita? Aqui, ao subir os créditos, quando começamos a comparar a obra original ao produto final, é que deveríamos lembrar da frase do teórico brasileiro Ismail Xavier:
ao cineasta o que é do cineasta, ao escritor o que é do escritor
Ao cabo, são duas obras diferentes. São duas formas de contar a mesma história!
Reviews e Análises
Lispectorante – Crítica

Lispectorante de Renata Pinheiro, diferente de outras produções baseadas na obra de Clarice Lispector – A Hora da Estrela (1985), de Suzana Amaral e A Paixão Segundo G.H. (2023) de Luiz Fernando Carvalho – não tem foco, especialmente, em nenhum texto da autora, mas consegue captar seu universo e soluciona o fluxo de consciência, característica primeira de sua literatura, através de cenas marcadas pelo fantástico.
Durante o longa acompanhamos Glória Hartman – uma artista plástica em crise, recém-divorciada e sem dinheiro – que retorna para sua terra natal, indo visitar sua tia Eva. Ao encontrar um guia de turismo com um grupo acaba interessando-se pelas informações sobre a casa de Clarice Lispector que, a partir daqui será o lugar do onírico e de profundas e solitárias discussões existenciais, preenchido por ruinas de um mundo apocalíptico.
Lispectorante, palavra inventada tradução do intraduzível, Oxe, pra mim listectorante é uma droga ilegal feita numa manhã de um Carnaval que se aproxima. Pra expectorar mágoas, prazeres, visgos e catarros num rio que vira charco
Entre o fazer artístico – sempre mostrado de forma fantástica, surrealista – e a necessidade de sustento, Glória se apaixona por Guitar, um artista de rua mais jovem com quem inicia um romance.
A escolha de Marcélia Cartaxo para viver Glória nos ajuda a encaixá-la no mundo de Clarice: é como se ela sempre tivesse estado ali, vivendo e sentindo todas aquelas subjetividades, mesmo sendo uma personagem de atitudes muito diferentes de Macabéa, que a atriz viveu em A Hora da Estrela. Glória é livre, mas seu momento de vida – uma mulher madura, recém-divorciada, sem dinheiro e em um “lance” com um homem mais jovem – nos remete as inseguranças de Macabéa – jovem, tímida e descobrindo o mundo. Ambas estão em transição!
Lispectorante é poético e tem um desfecho que não surpreende e nisso ele é excelente: não há outro caminho para o sentir do artista que as suas incertezas.
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