Reviews e Análises
Amanhã – Crítica

Amanhã, documentário dirigido por Marcos Pimentel, destruiu o meu coração e me deixou em frangalhos por alguns dias. Tudo isso por conta de sua mensagem cortante, mordaz e precisa, um retrato ardido sobre as diferenças sociais, culturais, estruturais e, infelizmente, raciais no nosso Brasil.
Em 2002, Marcos captou o encontro de três crianças em Belo Horizonte. Julia e Cristian, irmãos, negros e moradores de uma favela próxima à Barragem Santa Lúcia, brincam de bola com um menino branco e rico chamado Zé Thomás. Ele mora do outro lado da barragem, em uma área mais nobre. O que separa esses dois mundos fisicamente é apenas aquela enorme porção de água parada e algumas ruas e muros. E deveria ser só isso a separá-los.
A ideia do diretor era passar o fim de semana inteiro filmando as crianças brincando. E tudo deu certo. Eles se deram muito bem e ficaram bem próximos. Projeto finalizado, ficou combinado que eles se encontrariam vinte anos depois para assistirem às filmagens e falarem sobre o que teria mudado em suas vidas.
Mas o que vem a seguir é um recorte tão real da sociedade brasileira que poder testemunhar isso além dos noticiários ou das ruas imparciais é como sentir uma faca entrando na nossa alma. Júlia, aparentemente a única que conseguiria participar das novas filmagens, se ressente pelos diversos problemas que enfrentou na vida, sendo um deles a boa parte que passou longe do irmão Cristian, que saiu e entrou no sistema prisional diversas vezes por se envolver com coisas erradas como bandidagem e uso de entorpecentes.
Lá pelas tantas, a notícia de que Cristian cumpriu sua pena e poderia participar do documentário. Suas entrevistas são mais um retrato da verdade, da vida real. Seus argumentos políticos, discordando da irmã, são o ponto alto do filme. Independentemente de lado, a constatação de que o Brasil dividiu-se por completo nos atinge como uma pedra arremessada em nossa cabeça.
E o encontro com Zé Thomás adulto, que nunca acontece, só vem para coroar esse murro em nossa cara, escancarando o quanto somos preconceituosos, racistas, classistas. E o quanto estamos confortáveis em nossos lugares. Cada um separado dos outros. Sem saber dividir, compartilhar, aceitar, acolher.

Amanhã é um filme triste, feito com muita dedicação e simplicidade, que ao falhar em sua missão original, que era juntar as crianças vinte anos depois, acaba sendo mais relevante do que nunca para que a nossa sociedade possa olhar no espelho, encarar as suas chagas e avaliar se já não basta de tanta coisa nos dividindo. É uma forma de reflexão para que possamos pensar qual é o Brasil que queremos daqui para frente e porque ele não pode ser o mesmo Brasil para todos os brasileiros.
Nota 5 de 5
Reviews e Análises
Lispectorante – Crítica

Lispectorante de Renata Pinheiro, diferente de outras produções baseadas na obra de Clarice Lispector – A Hora da Estrela (1985), de Suzana Amaral e A Paixão Segundo G.H. (2023) de Luiz Fernando Carvalho – não tem foco, especialmente, em nenhum texto da autora, mas consegue captar seu universo e soluciona o fluxo de consciência, característica primeira de sua literatura, através de cenas marcadas pelo fantástico.
Durante o longa acompanhamos Glória Hartman – uma artista plástica em crise, recém-divorciada e sem dinheiro – que retorna para sua terra natal, indo visitar sua tia Eva. Ao encontrar um guia de turismo com um grupo acaba interessando-se pelas informações sobre a casa de Clarice Lispector que, a partir daqui será o lugar do onírico e de profundas e solitárias discussões existenciais, preenchido por ruinas de um mundo apocalíptico.
Lispectorante, palavra inventada tradução do intraduzível, Oxe, pra mim listectorante é uma droga ilegal feita numa manhã de um Carnaval que se aproxima. Pra expectorar mágoas, prazeres, visgos e catarros num rio que vira charco
Entre o fazer artístico – sempre mostrado de forma fantástica, surrealista – e a necessidade de sustento, Glória se apaixona por Guitar, um artista de rua mais jovem com quem inicia um romance.
A escolha de Marcélia Cartaxo para viver Glória nos ajuda a encaixá-la no mundo de Clarice: é como se ela sempre tivesse estado ali, vivendo e sentindo todas aquelas subjetividades, mesmo sendo uma personagem de atitudes muito diferentes de Macabéa, que a atriz viveu em A Hora da Estrela. Glória é livre, mas seu momento de vida – uma mulher madura, recém-divorciada, sem dinheiro e em um “lance” com um homem mais jovem – nos remete as inseguranças de Macabéa – jovem, tímida e descobrindo o mundo. Ambas estão em transição!
Lispectorante é poético e tem um desfecho que não surpreende e nisso ele é excelente: não há outro caminho para o sentir do artista que as suas incertezas.
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