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Reviews e Análises

Você conhece o Teste de Bechdel?

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Voltemos no tempo, para uma época em que crianças brincavam com o mercúrio que era derramado ao quebrar-se um termômetro (“olha mãe, a bolinha divide”). Antes do cara nerd estar na moda e ser alçado ao status de geek: na década de 80 ser chamado de nerd não era uma coisa lá muito lisonjeira, principalmente porque o termo, ou melhor o xingamento, vinha sempre com alguma gozação sobre suas espinhas, sobre os seus óculos, ou simplesmente, sobre você tirar médias maiores que a maioria da turma. Nessa época, ser um menino nerd era difícil, ser uma menina nerd era ainda pior. 

Certamente para aqueles meninos, e para os outros que vieram depois deles, hoje com seus trinta e poucos anos, ficou mais fácil. Existem nerds em boa parte das produções que assistimos e a forma como são retratados foge bastante da canonizada pelo longa A vingança dos Nerds. Já para aquelas meninas, hoje também com seus trinta e poucos anos, continua muito difícil. Você não precisa acreditar em mim, basta conhecer o Bechdel Test.

Quando conheci o Bechdel Test, percebi que produções que amo como Star Wars e O Senhor dos Anéis reprovaram quando nele aplicadas. A questão aqui não é a qualidade, os dois filmes são ótimos! E aí você pergunta: então qual o problema? Do que você está reclamando?

Para entender, vamos explicar o que é esse tal Bechdel Test — que chamarei de Teste de Bechdel, para aportuguesar: em 1985 a quadrinista Alison Bechdel publicou uma tirinha intitulada The Rule. Nela, duas mulheres estão conversando, quando uma delas sugere ver um filme no cinema. A outra diz que apenas assiste filmes que cumpram três condições:

1. O filme precisaria ter duas mulheres;

2. essas duas mulheres devem travar uma conversa, mesmo que seja apenas uma linha de diálogo e;

3. esse diálogo não pode ser sobre um homem.

No final, ela constata que o único filme recente que assistiu  –  não se esqueçam, a tirinha é de 1985  –  foi Aliens, O Resgate, em que “duas mulheres conversam sobre um monstro.”

UMA linha de diálogo, em que duas mulheres conversem e que não seja sobre um homem. É muito simples! Preste atenção aos filmes que assistiu… Triste, não é? E percebam: o Teste de Bechdel não é perfeito. O filme com essas duas mulheres, em uma linha de diálogo, podem reproduzir valores machistas e sexistas e passar no teste. E mesmo assim…

As coisas podem ficar um pouco abstratas, então vou trabalhar com números: contando apenas os filmes do Queissoassim, incluindo as sagas, obra original e remakes, os malucos deste site falaram sobre trinta (30) produções. Destas, apenas 12 passam nas três condições do Teste de Bechdel, conforme podemos ver no site Bechdel Test Movie List.

Antes de mais nada, também preciso dizer que não espero que TODOS os filmes passem no Teste de Bechdel. Seria imperdoável achar que um longa que narre a história de uma guerra na Idade Média tivesse qualquer tipo de obrigatoriedade desse tipo. O teste não serve como um sistema de cotas, mas para que nós, mulheres, prestemos atenção em qual posição somos colocadas pela maioria dos scriptwriters: na maioria das vezes como um mero artifício de roteiro, para exaltar qualidades do protagonista masculino. 

Antes de desmitificar as nerds femininas tem-se que, primeiro, desmitificar a representação do feminino.

Para aqueles que acham que a discussão sobre a representatividade feminina é recente aconselho dar uma lida no livro de ensaios Um teto todo seu de Virgínia Woolf, ficcionista e ensaísta inglesa, que abrange o mesmo tema, em 1929, na Literatura.

E, para as leitoras do Portal Refil e ouvintes do QueIssoAssim, um FELIZ DIA INTERNACIONAL DA MULHER!

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A Hora da Estrela – Crítica

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Quando se é aficionado por livros é comum alguma mania: ler a última página, tentar não “quebrar” a lombada de calhamaços enquanto se lê ou usar qualquer coisa que estiver a mão como marcador de páginas. Eu coleciono primeiros parágrafos: escrevo em pequenos cadernos que guardo na estante junto com os volumes que lhes deram origem. Claro que existem os favoritos como o de Orgulho e Preconceito (“É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, possuidor de uma boa fortuna, deve estar necessitado de uma esposa.”) e Anna Karenina (“Todas as famílias felizes são iguais, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira.”), mas nenhum fala tanto ao meu coração quanto o de “A Hora da Estrela”:

Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.

Agora, se você nunca leu “A Hora da Estrela”, pode dar uma chance a obra da autora ucrano-brasileira Clarice Lispector assistindo a adaptação realizada em 1985 pela cineasta Suzana Amaral, que voltou aos cinemas no último 16 de maio em cópias restauradas digitalmente em 4K.

O longa conta a história da datilógrafa Macabéa (vivida magistralmente por Marcélia Cartaxo, ganhadora do Urso de Prata de melhor atuação em Berlim) uma migrante vai do Nordeste para São Paulo tentar a vida. Órfã, a personagem parece pedir perdão o tempo todo por estar viva, quase se desculpando por ter sobrevivido a sina dos pais. Macabéa é invisível, invisibilizada e desencaixada do mundo.

A interação com as outras personagens acentua o caráter de estranheza que Macabéa sente de sua realidade (“O que você acha dessa Macabéa, hein?” “Eu acho ela meio esquisita”) onde a proximidade física reservada a ela é oferecida apenas pelas viagens de metrô aos domingos.

As coisas parecem mudar quando ao mentir ao chefe – copiando sua colega de trabalho Glória – dizendo que no dia seguinte irá tirar um dente para, na verdade, tirar um dia de folga. Passeia pela cidade e encontra Olímpico (José Dumont) a quem passa a ver com frequência. Infelizmente, mesmo ele, não entende a inocência e esse desencaixe de Macabéa, deixando-a.

“A Hora da Estrela” de Suzana Amaral traz a estética da fome tão cara ao Cinema Novo de Glauber Rocha não apenas na falta, ressaltada em oposição as personagens que orbitam a curta vida de Macabéa, mas no desalento, no desamparo e, principalmente, no abandono que, quando negado em certa altura pela mentira esperançosa da cartomante charlatã (vivida por Fernanda Montenegro), culmina na estúpida tragédia que ocorre com a protagonista.

Se no começo de tudo, como disse Clarice, sempre houve o nunca e o sim, para Macabéa e os seus “sim senhor” o universo reservou apenas o grande não que Suzana Amaral captou como ninguém.

Nota 5 de 5

Avaliação: 5 de 5.
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